Polícias atropelados duvidam se vale a pena combater crime
por PAULA CARMO | DN 07 Junho 2010
Conselho Coordenador Permanente das associações e sindicatos das forças de segurança volta a pôr na ordem do dia a violência contra polícias. Agentes sentem-se desprotegidos.
A perseguição ao condutor desobediente deixou-lhe marcas para a vida. O que João (nome fictício) não sabia é que, mais do que as mazelas no corpo, tem agora a sensação de total desprezo que o Estado lhe devota enquanto agente de força de segurança. "Não temos apoio, sofremos na pele e ninguém nos protege", lamenta. Todos os anos mais de mil polícias portugueses são agredidos no desempenho das suas funções. Destes casos, muitos são vítimas de atropelamento.
O problema é de tal ordem grave que, ainda esta semana, a reunião do Conselho Coordenador Permanente, que reúne representantes da PSP, GNR, ASAE, SEF, Guarda Prisional e Polícia Municipal, voltou a pôr o tema na ordem do dia.
João, polícia há mais de dez anos, gosta de se sentir proactivo, porque adora estar em contacto com os cidadãos, reconhecendo, embora, que "numa profissão mal paga estamos a atravessar uma conjuntura que ninguém dá valor aos agentes de autoridade. Nem o Estado!". Foi atropelado, "abalroado" duas vezes, por um condutor de um veículo pesado.
O caso chega agora ao tribunal. "É um exemplo do que se está a passar. O camionista já tem no cadastro outro processo de desobediência. Foi com a ajuda de um automobilista que consegui identificar a matrícula, porque o condutor, depois de tudo o que fez, ainda se pôs em fuga. Quando é que isto pára? Isto desmotiva." João assume que outros, tal como ele, questionam se vale a pena combater o crime. "Aumenta a falta de respeito pelos polícias", diz.
Os números de agentes de autoridade agredidos ficam diluídos, muitas vezes, no meio de outras acções policiais. "Nem todos são contabilizados", assegura ao DN Paulo Rodrigues, da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP). "A hierarquia só considera o caso de agressão quando o próprio polícia relata no expediente que foi agredido. Mas quantos casos há em que os agentes sofrem por causa de pontapés e murros e não metem baixa?"
Este fenómeno não pode ser dissociado do aumento da criminalidade. "Muitas vezes, as agressões também envolvem a pequena criminalidade", aponta Paulo Rodrigues, não dissociando o problema da falta de efectivos no terreno. João, que não dá a cara nem o nome para evitar problemas laborais, fez a perseguição ao camionista sozinho. "Muitas vezes, os polícias estão desamparados, sozinhos, temos de repensar todo este modelo de policiamento", assume Paulo Rodrigues.
Da Associação dos Profissionais da Guarda (APG) chega outro alerta por parte do seu presidente: "Vamos já para os serviços apreensivos e com alguma cautela. Os nossos números de atropelamentos como de suicídios são difíceis de contabilizar. Por exemplo, nas desobediências e atropelamentos, se for um oficial, tem um peso, se for um agente menos graduado, tem outro. Para este, a protecção não é nenhuma. Em Portugal é banal agredir um polícia, até parece que está na moda." Episódios de atropelamentos em operação stop, violentas agressões quando acodem a casos de violência doméstica ou desacatos na via pública. O rol é extenso. "A impunidade aos agressores é de tal forma que muitos agentes questionam se realmente vale a pena o esforço", lamenta José Manageiro.
Esta semana, o responsável pelo Comando da GNR Coimbra, no Dia da Unidade, criticou "o facto muito comum - portanto normal - de as próprias polícias terem passado a ser vítimas de frequentes agressões, injúrias e violência. (...) Afinal é o próprio Estado - no símbolo de uma farda - que é agredido", assumiu o coronel Dias Costa.
O polícia João já foi ressarcido para comprar uma nova farda, mas já pagou do seu bolso algumas despesas. Agora presta depoimento em tribunal como vítima. "Isto, apesar de ser crime público, pouco vale, pois estes casos quase nunca acabam em condenação", diz José Manageiro. Também o sindicalista da PSP Paulo Rodrigues corrobora a ideia. Todos reclamam medidas urgentes à tutela e ao Parlamento para sair deste fio da navalha.
Fonte: dn.sapo.pt
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